Provas "por absurdo"
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Provas "por absurdo"
Olá
Neste tópico, vou expor algumas demonstrações feitas “por absurdo”, que foi uma das primeiras maneiras que eu aprendi a fazer demonstrações esse ano na faculdade. Além de objetivar o conhecimento da técnica, aos que gostariam de estudar matemática no futuro, vejamos um pouco mais da matemática "rigorosa" que será apresentada nos cursos, em geral.
Para os que não conhecem esta técnica (que tem ideia muito simples), ela consiste no seguinte: Suponhamos que temos uma proposição P1 que queremos provar ser verdadeira. Então supomos, por absurdo, que P1 seja falsa e chegar a um absurdo, ou seja, algo como 1=0 ou em alguma coisa que já sabemos que não é verdade. Claramente não é tudo que pode ser demonstrado por absurdo, devemos tomar cuidado para aplicar essa técnica para mostrarmos fatos que são ou não verdadeiros, e que a sua não falsidade implica que este é verdadeiro.
Certo, agora pode parecer um pouco confuso, mas vou mostrar alguns fatos básicos (e outros nem tanto) utilizando esta técnica e ficará mais claro. Vale ressaltar que demonstrações “por absurdo” ou “por contradição” são especialmente úteis quando queremos provar alguma coisa básica sem com que tenhamos muitas ferramentas ainda.
Vale a pena, para o total entendimento do tópico, a introdução de algumas definições e axiomas que, geralmente, não são conhecidos por alunos de ensino médio, mas que serão facilmente entendidos.
Os axiomas de Peano:
Seja um conjunto e uma função tais que:
P1) A função s é injetiva. Ou seja, se são tais que , então
P2) é um conjunto unitário, onde denota o conjunto imagem de . Diremos que
P3) (Princípio de Indução) Se é tal que
a)
b)
então
com essas características é dito um conjunto de números naturais e s é sua função sucessor.
Bom, mostrar a existência de um conjunto que satisfaz essas características é um pouco mais difícil. Então vamos supor conhecido nosso conjunto de números naturais , cujo menor elemento eu defini sendo 1.
Números primos: Dizemos que é um número primo quando e possui apenas dois divisores: e ele mesmo.
Menor elemento: Seja e . Dizemos que é o menor elemento (ou elemento mínimo) de
quando
Então vejamos algumas provas.
1. (Princípio da Boa Ordem) Todo subconjunto não vazio de números naturais tem um menor elemento.
• Prova: Seja . Se , é o menor elemento de e não há o que provar.
Se não, considere o conjunto , onde . , mas pois e, então, Princípio de Indução , existe tal que . Afirmamos que (que vamos escrever, da forma convencional, como ) é o menor elemento de :
Com efeito, supondo, por absurdo, que não seja o menor elemento de , existe, então, tal que . Contradição, pois e . Portanto tem um menor elemento.
Então, segue que qualquer subconjunto não vazio de números naturais tem um menor elemento.
Bom, pode parecer que esse é um Teorema um pouco bobo, mas ele é bem útil visto que vamos usá-lo para provar, utilizando a técnica acima, o princípio de indução de uma forma mais parecido com a que conhecemos!
Definição: Dizemos que um subconjunto ordenado de números naturais satisfaz o Princípio da Boa Ordem se todos os seus subconjuntos têm um menor elemento.
2. O 2º Princípio de Indução: Seja ordenado (e não vazio) com a seguinte propriedade: Dado , se contém todos os números naturais m tais que , então . Nestas condições,
• Prova: Suponhamos, por absurdo, que . Então, e, pelo Princípio da Boa Ordem, tem um menor elemento . Daí, segue que que pertencem à e, por hipótese, . Absurdo, pois .
Portanto,
Bom, acredito que, agora, a ideia tenha ficado mais clara. Então vejamos mais algumas provas envolvendo outros temas. Esta é um clássico, provavelmente muitos já viram:
3. A irracionalidade de : é irracional
Definição(1): Chamamos de raiz quadrada de um número real x, e denotamos por , o único número real tal que
Definição(2): Dizemos que um número real é racional quando existem primos entre si tais que . Caso contrário, dizemos que é irracional.
• Prova: Suponhamos, por absurdo, que seja racional. Isto é, existem primos entre si tais que .Isto é, . Vamos supor, também, sem perda de generalidade, que e são positivos. Afirmamos que deve ser um número par: De fato, se fosse da forma , então é impar, mas, como vimos, é par. Assim sendo, existe tal que . Portanto, . De forma análoga a anterior, podemos concluir que é par. Absurdo, pois e são primos entre si. Portanto, segue que é irracional.
4. Decomposição de números naturais em fatores primos: Todo número natural ou é primo ou pode ser expresso como produto de fatores primos.
• Prova: Seja o conjunto dos números naturais não primos que não pode ser decomposto em fatores primos e suponhamos, por absurdo, . Portanto, pelo Princípio da Boa Ordem, tem um menor elemento . Como não é primo, por hipótese, existem tais que e a diferente de ou b diferente de . Assim, teremos que e . Como , existem e primos tais que e ou a ou b são primos (e a prova segue análoga, claramente). Portanto, pode ser escrito como produto de fatores primos. Contradição. Portanto, e segue que todo número natural é primo ou pode ser decomposto em produto de fatores primos.
5. Infinitude dos números primos: (Euclides) Existem infinitos números primos
• Prova: Seja o conjunto dos números primos e suponhamos, por absurdo, que seja finito. Então, . Sendo assim, considere o número . Como é finito, não é primo. Daí, segue que pode ser decomposto em fatores primos e, portanto, existe um tal que divide . Mas não é nenhum dos , pois, se o fosse, deveríamos ter que divide 1. Contradição. Portanto, é infinito.
Bom, é isso. Apresentei algumas provas básicas que podem ser feitas desta maneira e entendidas por todos. Até hoje, utilizo muito a técnica mesmo em proposições que tratam de coisas menos básicas e esta é, de fato, muito útil em algumas situações. O único "mal" que podemos notar é que conclui-se, no meio do caminho, um monte de coisas falsas e chegamos num absurdo, ou seja, tudo o que foi concluído antes é, de certa forma, inútil para ser aproveitado em outras situações. Mas, ainda sim, esta continua sendo uma "técnica" válida e bem importante de provarmos algumas coisas.
Até
Algumas fontes importantes:
[1] Um curso de Análise vol. 1 - Elon Lages Lima
[2] Proofs from the book - Aigner e Ziegler
Neste tópico, vou expor algumas demonstrações feitas “por absurdo”, que foi uma das primeiras maneiras que eu aprendi a fazer demonstrações esse ano na faculdade. Além de objetivar o conhecimento da técnica, aos que gostariam de estudar matemática no futuro, vejamos um pouco mais da matemática "rigorosa" que será apresentada nos cursos, em geral.
Para os que não conhecem esta técnica (que tem ideia muito simples), ela consiste no seguinte: Suponhamos que temos uma proposição P1 que queremos provar ser verdadeira. Então supomos, por absurdo, que P1 seja falsa e chegar a um absurdo, ou seja, algo como 1=0 ou em alguma coisa que já sabemos que não é verdade. Claramente não é tudo que pode ser demonstrado por absurdo, devemos tomar cuidado para aplicar essa técnica para mostrarmos fatos que são ou não verdadeiros, e que a sua não falsidade implica que este é verdadeiro.
Certo, agora pode parecer um pouco confuso, mas vou mostrar alguns fatos básicos (e outros nem tanto) utilizando esta técnica e ficará mais claro. Vale ressaltar que demonstrações “por absurdo” ou “por contradição” são especialmente úteis quando queremos provar alguma coisa básica sem com que tenhamos muitas ferramentas ainda.
Vale a pena, para o total entendimento do tópico, a introdução de algumas definições e axiomas que, geralmente, não são conhecidos por alunos de ensino médio, mas que serão facilmente entendidos.
Os axiomas de Peano:
Seja um conjunto e uma função tais que:
P1) A função s é injetiva. Ou seja, se são tais que , então
P2) é um conjunto unitário, onde denota o conjunto imagem de . Diremos que
P3) (Princípio de Indução) Se é tal que
a)
b)
então
com essas características é dito um conjunto de números naturais e s é sua função sucessor.
Bom, mostrar a existência de um conjunto que satisfaz essas características é um pouco mais difícil. Então vamos supor conhecido nosso conjunto de números naturais , cujo menor elemento eu defini sendo 1.
Números primos: Dizemos que é um número primo quando e possui apenas dois divisores: e ele mesmo.
Menor elemento: Seja e . Dizemos que é o menor elemento (ou elemento mínimo) de
quando
Então vejamos algumas provas.
1. (Princípio da Boa Ordem) Todo subconjunto não vazio de números naturais tem um menor elemento.
• Prova: Seja . Se , é o menor elemento de e não há o que provar.
Se não, considere o conjunto , onde . , mas pois e, então, Princípio de Indução , existe tal que . Afirmamos que (que vamos escrever, da forma convencional, como ) é o menor elemento de :
Com efeito, supondo, por absurdo, que não seja o menor elemento de , existe, então, tal que . Contradição, pois e . Portanto tem um menor elemento.
Então, segue que qualquer subconjunto não vazio de números naturais tem um menor elemento.
Bom, pode parecer que esse é um Teorema um pouco bobo, mas ele é bem útil visto que vamos usá-lo para provar, utilizando a técnica acima, o princípio de indução de uma forma mais parecido com a que conhecemos!
Definição: Dizemos que um subconjunto ordenado de números naturais satisfaz o Princípio da Boa Ordem se todos os seus subconjuntos têm um menor elemento.
2. O 2º Princípio de Indução: Seja ordenado (e não vazio) com a seguinte propriedade: Dado , se contém todos os números naturais m tais que , então . Nestas condições,
• Prova: Suponhamos, por absurdo, que . Então, e, pelo Princípio da Boa Ordem, tem um menor elemento . Daí, segue que que pertencem à e, por hipótese, . Absurdo, pois .
Portanto,
Bom, acredito que, agora, a ideia tenha ficado mais clara. Então vejamos mais algumas provas envolvendo outros temas. Esta é um clássico, provavelmente muitos já viram:
3. A irracionalidade de : é irracional
Definição(1): Chamamos de raiz quadrada de um número real x, e denotamos por , o único número real tal que
Definição(2): Dizemos que um número real é racional quando existem primos entre si tais que . Caso contrário, dizemos que é irracional.
• Prova: Suponhamos, por absurdo, que seja racional. Isto é, existem primos entre si tais que .Isto é, . Vamos supor, também, sem perda de generalidade, que e são positivos. Afirmamos que deve ser um número par: De fato, se fosse da forma , então é impar, mas, como vimos, é par. Assim sendo, existe tal que . Portanto, . De forma análoga a anterior, podemos concluir que é par. Absurdo, pois e são primos entre si. Portanto, segue que é irracional.
4. Decomposição de números naturais em fatores primos: Todo número natural ou é primo ou pode ser expresso como produto de fatores primos.
• Prova: Seja o conjunto dos números naturais não primos que não pode ser decomposto em fatores primos e suponhamos, por absurdo, . Portanto, pelo Princípio da Boa Ordem, tem um menor elemento . Como não é primo, por hipótese, existem tais que e a diferente de ou b diferente de . Assim, teremos que e . Como , existem e primos tais que e ou a ou b são primos (e a prova segue análoga, claramente). Portanto, pode ser escrito como produto de fatores primos. Contradição. Portanto, e segue que todo número natural é primo ou pode ser decomposto em produto de fatores primos.
5. Infinitude dos números primos: (Euclides) Existem infinitos números primos
• Prova: Seja o conjunto dos números primos e suponhamos, por absurdo, que seja finito. Então, . Sendo assim, considere o número . Como é finito, não é primo. Daí, segue que pode ser decomposto em fatores primos e, portanto, existe um tal que divide . Mas não é nenhum dos , pois, se o fosse, deveríamos ter que divide 1. Contradição. Portanto, é infinito.
Bom, é isso. Apresentei algumas provas básicas que podem ser feitas desta maneira e entendidas por todos. Até hoje, utilizo muito a técnica mesmo em proposições que tratam de coisas menos básicas e esta é, de fato, muito útil em algumas situações. O único "mal" que podemos notar é que conclui-se, no meio do caminho, um monte de coisas falsas e chegamos num absurdo, ou seja, tudo o que foi concluído antes é, de certa forma, inútil para ser aproveitado em outras situações. Mas, ainda sim, esta continua sendo uma "técnica" válida e bem importante de provarmos algumas coisas.
Até
Algumas fontes importantes:
[1] Um curso de Análise vol. 1 - Elon Lages Lima
[2] Proofs from the book - Aigner e Ziegler
Última edição por Giiovanna em Sáb 07 Dez 2013, 21:21, editado 1 vez(es)
Giiovanna- Grupo
Velhos amigos do Fórum - Mensagens : 2128
Data de inscrição : 31/08/2012
Idade : 29
Localização : São Paulo, SP
Re: Provas "por absurdo"
Bonito trabalho, Giiovanna, e muito útil também. Vou deixar como tópico fixo.
____________________________________________
In memoriam - Euclides faleceu na madrugada do dia 3 de Abril de 2018.
Lembre-se de que os vestibulares têm provas de Português também! Habitue-se a escrever corretamente em qualquer circunstância!
O Universo das coisas que eu não sei é incomensuravelmente maior do que o pacotinho de coisas que eu penso que sei.
Euclides- Fundador
- Mensagens : 32508
Data de inscrição : 07/07/2009
Idade : 74
Localização : São Paulo - SP
Re: Provas "por absurdo"
Obrigada! Se alguém tiver alguma dúvida ou quiser acrescentar alguma outra demonstração será bem vindo.
Giiovanna- Grupo
Velhos amigos do Fórum - Mensagens : 2128
Data de inscrição : 31/08/2012
Idade : 29
Localização : São Paulo, SP
Re: Provas "por absurdo"
Muito bom!
Wilson Calvin- Matador
- Mensagens : 524
Data de inscrição : 26/02/2013
Idade : 26
Localização : São Paulo
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