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Como foi a ditadura militar?

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Como foi a ditadura militar? Empty Como foi a ditadura militar?

Mensagem por Convidado Seg 14 Set 2015, 21:18

Queria saber se alguém aqui do fórum viveu esse período (1964-1985) e se pode explicar como as coisas funcionavam naquela época. De preferência, situações vividas. Como era a educação, a liberdade de expressão, a segurança nas ruas... havia tanta impunidade como há hoje? Comparando esse período com o de hoje, quais são as maiores diferenças?

Enfim, é para compreender melhor o porquê de algumas pessoas dizerem que não querem uma intervenção militar e outras dizerem que querem. 

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Como foi a ditadura militar? Empty Re: Como foi a ditadura militar?

Mensagem por Euclides Seg 14 Set 2015, 23:09

Eu vivi todo esse período.

Antes de mais nada, quem valoriza verdadeiramente os princípios democráticos não encontra maneira de considerar boa a supressão unilateral desses mesmos princípios. Pela mesma razão, nenhuma ditadura pode ser considerada benigna se necessita suprimir os valores democráticos para existir e manter-se pela força.

Nas vésperas de 1964 o país encontrava-se em total desorganização politica. O  governo João Goulart era fraco e sem respaldo. Greves pipocavam em todos os setores.

Jango, como era conhecido, havia sido eleito vice-presidente da república na mesma eleição que elegera Jânio Quadros como presidente. Jânio e Jango não eram do mesmo partido e nem sequer aliados. Àquele tempo presidente e vice-presidente eram eleitos em eleição majoritária e era possível um cenário como aquele.

O país vivia em crises econômicas sem solução. Por razões até hoje conjeturadas, mas não esclarecidas, Jânio Quadros renunciou ao mandato no mesmo ano de sua posse (1961). Naquele momento o vice encontrava-se em visita oficial à China.

Jango era tido como comunista e tinha contra si a classe média, o clero e as forças armadas. Os comunistas de todos os matizes estavam posicionados em todos os sindicatos e movimentos sociais e os controlavam. Temia-se que um governo Jango conduzisse o país ao mesmo status de Cuba.

Um acordo político alterou o regime do país para o parlamentarismo e Jango assumiu como presidente parlamentarista. Dois anos depois um plebiscito retornou ao regime presidencial com Jango. O país seguia caótico. Crescia a insatisfação contra o governo.

Em 1962 acontece a crise deflagrada pela descoberta dos mísseis soviéticos em Cuba. Era ainda o tempo da guerra-fria. Crescem no Brasil os temores de uma "cubanização".

Em março de 1964 uma rebelião de marinheiros amotinados abrigados no Sindicato dos Metalúrgicos da Guanabara foi o estopim final. A quebra da hierarquia militar era inaceitável pelos comandantes militares e Jango teria prometido aos amotinados que nada lhes aconteceria além de prometer a troca do ministro da marinha.

Aconteceu o golpe militar apoiado pelos governos de Minas Gerais e São Paulo, liderado pelo marechal Castelo Branco, tido como moderado e democrata. Castelo Branco assumiu a presidência interina da República prometendo convocar eleições em seis meses. Eleições que só ocorreram 21 anos depois.

O receio de uma "comunistização" do país deu força aos setores mais radicais das forças armadas. Uma perseguição foi iniciada. As revoltas estudantis e operárias conduzidas pelos comunistas em 1968 deram causa ao famigerado AI-5, que mergulha definitivamente o país numa ditadura escancarada.

Instituiu-se a censura aos meios de comunicação. Censores foram instalados nas redações dos jornais e emissoras de TV, as garantias individuais foram suspensas, pessoas eram presas sem acusação formalizada, levadas a paradeiros não informados, torturadas. O direito ao habeas corpus aos presos políticos foi suspenso. Filosofia e Sociologia foram retirados dos currículos escolares. História e Geografia foram transformadas numa disciplina chamada Estudos Sociais.

Governadores e Prefeitos de cidades importantes eram indicados pelos militares. Um terço do Senado também era indicado e estes foram conhecidos como "senadores biônicos". Os partidos foram extintos tendo sido criados apenas dois deles: um para o governo e outro para a oposição. Eram eles ARENA e MDB. Votava-se basicamente para vereadores e deputados.

Nessa época advogados criativos criaram o que foi chamado de "habeas corpus de localização". Pessoas eram presas na rua e ficavam desaparecidas. O advogado então, entrava na justiça militar com um habeas corpus alegando que o seu cliente não recebera qualquer acusação e, portanto, não podia ser considerado um preso político. A justiça então expedia uma procura pela pessoa nos órgãos de repressão e, quando um deles declarava à justiça estar com a pessoa, essa pessoa passava a não correr risco de vida.

Hoje é bem conhecida a existência dos sepultamentos clandestinos, principalmente no cemitério de Perus, São Paulo. A reação dos comunistas criando os diversos grupos clandestinos e armados, assaltando bancos, sequestrando embaixadores estrangeiros e matando pessoas, só fez fortalecer os setores conhecidos como "linha-dura" e recrudescer a repressão.

É nesses momentos que o pior da espécie humana aparece. O poder acaba se concentrando nas mãos dos mais violentos. Surgiram na polícia civil os "esquadrões da morte". Qualquer militar, ou policial ligado aos órgãos de segurança tinha poderes ilimitados sobre a vida dos cidadãos.

Evidentemente muito pouca gente sabia de tudo isso. A censura e a propaganda oficial faziam a grande maioria da população ignorante de tudo. À luz do sol, a vida parecia seguir comum. Note-se que na época a "guerrilha do Araguaia" não foi conhecida do público.

Para concluir, no momento do golpe parecia muito fácil apoiar a sua necessidade na esperança de recolocar o país nos eixos. Porém, como já dizia Lord Acton (historiador inglês do seculo XIX): " o poder tende a corromper; o poder absoluto corrompe de maneira absoluta. Os grandes homens quase sempre são homens maus".

Hoje, já velho, tenho profundamente interiorizada em mim a convicção da Democracia e entendo que a sua sobrevivência reside numa saudável alternância no poder.

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Mensagem por Convidado Ter 15 Set 2015, 18:36

Obrigado Euclides

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