PiR2
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Escola federal/militar vs estadual/municipal

5 participantes

Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por perseverar Sáb 29 Ago 2020, 18:34

Algo vem chamando minha atenção nos processos seletivos de universidades públicas - alunos de escolas federais e militares concorrem pelas mesmas vagas que os alunos oriundos de escolas estaduais e municipais. 50% das vagas são segmentadas em várias modalidades, como questões étnico/raciais, renda e deficiência, criando um enorme gargalo para acessar o ensino público. Escolas federais e militares sempre mostraram estar na frente das demais escolas públicas e até concorrem lado a lado com algumas boas instituições privadas. Diante disso, a política afirmativa da forma que está hoje é excludente, privilegiando através de uma concorrência desleal certa parcela que teve acesso há uma melhor formação ? 

[Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link]

perseverar
Iniciante

Mensagens : 10
Data de inscrição : 24/05/2020

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por mao_sun Sáb 29 Ago 2020, 22:26

"[...] a política afirmativa da forma que está hoje é excludente, privilegiando através de uma concorrência desleal certa parcela que teve acesso há uma melhor formação?"

Creio que sim. Sou estudante do 3° ano de uma instituição federal aqui da Bahia, especificamente o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), sou do campus principal, que fica na capital, Salvador, e acho que posso contribuir um pouco para esse debate. 

Essa discussão engloba tanto o nosso sistema educacional quanto o político, por isso peço perdão por qualquer uso inadequado de termos ou extrapolações juvenis, além também de pedir compreensão pelo tamanho do texto, não esperava escrever tanto Smile.

Gostaria de começar dizendo que nesse ambiente ocorre um fenômeno interessante que há um tempo já é de conhecimento geral entre os meus colegas, chamamos de peneira. O conceito é simples: no primeiro ano, três turmas, no segundo, duas turmas com 35-40 pessoas, terceiro ano, as turmas se mesclam para equilibrar a quantidade de aluno por sala, quarto ano, uma turma apenas. A maior baixa de pessoas ocorre no primeiro ano. Inicialmente, isso não seria de grande problema, pois é normal que ocorram desistências. Mesmo que esse número seja alto, estamos falando de, pelo menos no meu, um colégio extremamente puxado, que detêm a maioria de seus professores doutorados e muito conhecidos tanto estadual quanto nacionalmente. Portanto, é de esperar que essas "baixas" ocorressem, entretanto temos uma vírgula ai: na minha sala, eu consigo contar nos dedos da minha mão direito quantos ali usaram cotas para entrar no colégio. O IFBA tem cotas assim como ocorrem nas faculdades, 50% escola pública e 50% particular, minha turma tem 40 pessoas, eu só conheço duas delas que vieram de escola pública integralmente, eu e mais um amigo meu. Portanto, temos dois problemas evidentes aqui:

: Como já relatado por você, @[Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link], o ensino dos institutos federais é de extrema qualidade, pelo menos na minha cidade, ele se coincide com a maioria dos grandes colégios particulares daqui, com apenas uma diferença: o IFBA é público, e isso gera uma vantagem enorme para entrar numa faculdade. Vou apresentar uns dados aqui para exemplificar. Medicina na UFBA, aqui de Salvador e mãe do IFBA, teve uma nota de corte de 773.07 na AC (Ampla Concorrência), enquanto em escola pública independente de renda (L5) teve 765.63, esse valor vai abaixando dependendo se for negro e tiver baixa renda, chegando aos incríveis 722.71 para L2 (escola pública, baixa renda e negro). Ou seja, entrar em um Instituto Federal, você sendo branco e com "alta renda", te garante uma folga de, pelo menos, 7.44 pontos, o que significa que, em cada subdivisão de provas do enem, vc teria uma folga de 37.2 pontos (salvo engano). Se você for negro e de baixa renda, esse número aumenta muito, uma folga de 50.36 pontos no total da prova.

II°: A dificuldade do colégio fez uma peneira automatizada em tirar os alunos oriundos de escola pública do IF. Como aluno do IFBA, eu sei bem o quão complicada essa situação se tornou. É muito fácil lotar as salas de primeiro ano com pessoas de escola pública, porém é tão quão difícil deixar, pelo menos, metade delas até o terceiro. Como eu já tinha relatado, a situação é triste pra quem já tinha vindo de um ensino público antes do IFBA, onde pouquíssimos alunos (nem 1/5) que estão na sala vieram realmente de um ensino defasado, no qual os alunos mal tinham aula, e esse é o meu caso. Sobrevivi ao colégio com muito esforço, sangue nos olhos e muitas noites perdidas, porém a enorme maioria não fez o mesmo. Resultado: a maioria das pessoas que, pelo menos, finalizaram o terceiro ano do IF é, em sua enorme maioria, oriunda de escola privada, ocasionando em, basicamente, as cotas serem direcionadas às pessoas que tiveram um ensino fundamental I e I bons, em escola privada, e um ensino médio ótimo no IFBA.

Essa questão sobre a enorme maioria dos alunos ser oriunda de escola privada não é nenhuma novidade. Há muitos anos o colégio vem tentando contornar isso falando: "olhem, gente! pra quem veio de colégio público, é hora de dar a volta por cima, ir atrás da base, mudar os costumes!" etc. Eles fazem cursos, monitorias e atendimentos extraclasses, mas a situação ainda continua lamentável, pois os professores não vão esperar os alunos da pública pegarem o ritmo para, ai sim, continuar a aula. Não sei como era antes da minha chegada ao colégio (por volta de 2018), mas é assim que estamos hoje.

Para finalizar o meu pensamento, imaginemos a seguinte situação em um universo paralelo: um estudante que viveu a vida inteira em escola pública (fundamental I e II) entra no IF e, com muito esforço, ele consegue se formar. Mesmo assim, mesmo nessa situação fantasiosa, temos uma barriga: agora quem vai competir com ele são aquelas pessoas de escola privada que conseguiram cota por estar em um colégio público, portanto a situação continua a mesma coisa que antes, as vagas da ampla são das escolas privadas e as vagas das cotas também, e é essa situação que eu estou vivenciando agora, vivi minha vida inteira em escola municipal (fundamental I), depois estadual (fundamental II), e agora federal (ensino médio). Entretanto, eu faço uma ressalva: se a pessoa for negra e de baixa renda, essa situação muda bastante; é só observar qualquer tabela de notas de corte que é notório ver a enorme diferença entre a L2 (escola pública, baixa renda e negro) e qualquer outra cota ou não-cota, com essas subdivisões da cota, exigindo mais e mais informações sobre o estudante, fica mais difícil uma pessoa que veio de escola privada se encaixar. Porém, um cara que é branco, por exemplo, e viveu a vida inteira em escola pública, porém tem baixa renda, consegue no máxima uma cota de L1 (748,9 nas mesmas condições citadas no ponto I). 

Os vestibulares tradicionais estão mais espertos para essa situação. Lembro da Unicamp dar mais pontos para quem tiver feito ensino fundamental e médio todo em escola pública do que aqueles que fizeram apenas o ensino médio lá, porém dar mais pontos não divide as vagas, apenas gera uma pequena vantagem que pode ser superada com um mínimo de esforço pelo segundo grupo. É só imaginar que essa galera do IF é parecida com o pessoal das privadas, fazendo cursinho muitas vezes com elas.

Só um último asterisco para finalizar o meu comentário: eu ter vivido a vida inteiro em escola pública pode se tornar o motivo de algumas pessoas olharem meu pensamento e o caracterizarem como "polarizado". Entretanto, digo-te que isso é uma falácia. Durante todo o meu comentário, pode-se ver, sem muito esforço, a minha tentativa em descobrir o que verdadeiramente está ocorrendo com o ambiente ao meu redor, busquei ver o que está acontecendo, como aconteceu, como funciona e se realmente funciona. A real é que eu não ligo muito para cotas, eu as conheci totalmente no aleatório quando eu entrei no colégio, apenas preenchi o formulário de inscrição e, quando eu menos esperava, estava em umas 3 cotas e tinha vários documentos a mais para entregar, por esse motivo você não vai encontrar um comentário raivoso no meu pensamento descrito desde o começo desse enorme texto que você está lendo agora. Penso que, independente de cotas, eu tenho que estudar MUITO para passar uma excelente faculdade, e é apenas com esse pensamento que eu sigo. 

Posso dizer que com uma trivialidade do tamanho do mundo que eu também não me sinto um expert em "analisar colégios", apenas relato e transmito aquilo que eu vi e ouvi, eu não estou no primeiro ano, nem no segundo, já é meu terceiro ano nesse colégio, portanto, mesmo que eu não goste muito disso, eu posso falar pelo menos um pouco sobre ele, posso pelo menos te dizer o caminho para a quadra poliesportiva Laughing . Por esse motivo eu não falei dos colégios militares, o máximo que conheço deles é quando eu vou nas premiações da OBMEP, onde meu colégio e os militares destroem as vagas de escola pública (a própria OBMEP até tentou criar uma barreira pra evitar isso a uns anos atrás), portanto eu não me sinto tão confortável em emitir uma opinião sobre os militares.
mao_sun
mao_sun
Padawan
Padawan

Mensagens : 59
Data de inscrição : 29/09/2019
Idade : 21
Localização : Salvador, Bahia, Brasil

_Arthur_ e perseverar gostam desta mensagem

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por perseverar Seg 31 Ago 2020, 16:34

Você foi preciso no seu relato [Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link]. Infelizmente a realidade é essa e não temos perspectiva de ajustes, as cotas tem um bom propósito, mas precisam de ajustes finos. Essa questão dos alunos das escolas federais e militares concorrerem com os demais é uma das situações que impede melhores resultados dessa política, especialmente em cursos com maior pressão social, como medicina ou ingresso em universidades mais renomadas, como USP, UNICAMP, UFMG etc. Sou oriundo da escola pública estadual e em 50 anos de sua existência não há nem 5 egressos dessa escola que conseguiram ingressar em um curso concorrido como o de medicina, mas na minha mesma cidade, o instituto federal aqui tem menos de 10 anos de existência e já tem várias aprovações dos seus egressos nesses cursos mais concorridos. As diferenças são gritantes. Dados do MEC mostram que cerca de 70% hj dos alunos estão matriculados em escolas estaduais e municipais, mas são raros nas listas dos aprovados dos cursos mais concorridos do ensino superior, mesmo com a existência da política afirmativa.

perseverar
Iniciante

Mensagens : 10
Data de inscrição : 24/05/2020

mao_sun gosta desta mensagem

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por GBRezende Seg 31 Ago 2020, 19:29

Olá! Espero poder contribuir à discussão de forma honesta e com os intuitos mais nobres, e já de início aviso: tenho ctz que escreverei mto haha. Mas me dê uma chance! Eu tenho 2 motivos que já me fizeram refletir bastante sobre esse assunto. Primeiro, fui de uma escola federal(Colégio Pedro II, de grande tradição aqui no RJ) que é famosa por lotar a UFRJ, Uni onde estudei por 1 ano. É quase um meme, e há sempre várias discussões nos grupos do facebook da faculdade sobre a moralidade destes alunos usarem das cotas para alunos de escola pública. Eu tive a chance de entrar pela ampla e entrei, e sei que me sentiria mal se entrasse por cota, pois apesar de ser de escola pública desde a infancia, minha mãe era professora e desde sempre me internalizou a importância da leitura e dos estudos.

O 2o motivo, bem mais recente, irei me alongar um pouco. Eu sai do meio dos concursos militares ano passado e migrei para os concursos tribunais(servidor no judiciário). Acabei me apaixonando por Direito, e me peguei varias vezes minimizando o PDF de estudos pra pesquisar os casos de jurisprudência. Numa dessas, começo deste mes, a aula falava exatamente sobre a posição do STF de ser constitucional o sistema de cotas para alunos de escola pública em Universidades públicas, e o caso em que julgaram, e assisti tudo:
[Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link] (recurso extraordinário n.597285)
É bastante interessante. Eu tbm não sou de todo a favor das cotas para escola pública da forma como são, mas independente da minha visão, espero poder trazer um pouco do que seria a argumentação em defesa delas, para efeito de melhor entendimento da posição e para podermos fortalecer nossas opiniões.

A UFRS fez o 1o concurso com cotas para escolas públicas, e um concurseiro entra com recurso contra isso, pois tinha nota mas ficou de fora por causa destas. Pouco dps, a discussão acaba chegando no Supremo. Inicia-se o debate com o advogado deste rapaz, aos 3:20 do vídeo. Como tenho já um conhecimento de Direito Constitucional, vou tentar traduzir o juridiques e alguns pressupostos que estão implícitos no debate. Ele fala muito do que falamos aqui e um pouco mais: sobre a indignação que um aluno de escola privada de baixo nível sente ao perceber que não entrou pois vários alunos de escolas públicas de nível muito maior que a sua entraram na sua frente mesmo tendo notas menores que a dele. Ele constrói realmente uma ótima tese, vale a pena ouvir enquanto lava uma louça ou algo assim haha.
É preciso entender q a nossa Constituição(e a maioria das constituições ocidentais) tem enraizado, como um verdadeiro axioma, o princípio Aristotélico de "tratar iguais os iguais, e desiguais os desiguais, na medida de suas desigualdades". Entender isto vai ser importante na retórica da discussão.

Pois em 17:18 entra uma Procuradora Federal, que faz a defesa da UFRS, e constrói, também, um ótimo argumento a favor das cotas em escola pública, que resumirei aqui(mas, novamente, recomendo ouvi-la pessoalmente, ela fala por menos de 15 minutos). A ideia central da defesa nesta parte e em outros momentos do caso, é que a cota para escola pública não existe por assumir que estes alunos tiveram um ensino pior, e esta é supostamente a fraqueza do argumento "existem escolas públicas com alto nível de ensino". Primeiro, tracemos a analogia com as cotas raciais. Por conta de uma marginalização(não apenas social, mas literalmente geográfica) dos negros após uma abolição da escravatura que nada fez para inserir esta parcela da população na estrutura social, houve uma concentração de comunidades negras, pobres, sem senso de cidadania ou de pertencimento e que perdeu quase integralmente sua cultura após mais de 3 gerações de escravatura: foco na palavra concentração, pois o que há até hoje são comunidades pobres(em maioria negras), com altos índices de criminalidade exatamente por não entenderem, não terem internalizados, a importância da educação(tanto por não ver a necessidade, tanto por não ver como algo possível, alcançável) - e sabemos hoje que o maior causador de criminalidade não é pobreza ou cor de pele, mas o nível de educação, e as pessoas destas comunidades vão para as mesmas escolas, vivem com as mesmas pessoas. Então não é uma concentração de negros na parcela de baixa renda(apesar desta também existir) que justifica as cotas raciais, mas uma cultura da não educação(por não ser necessária e ser inalcançável) que foi imposta(após ser destruido sua própria cultura) através de uma segregação etnica, social e geográfica, por muitos chamado de racismo estrutural, e é claro, também pelo racismo direto que vemos diariamente.

Através desta analogia ela constrói a ideia de que a cota para estudantes de escola pública não é baseado na qualidade do ensino somente, mas também que as pessoas que estão nelas são pessoas que são majoritariamente pobres, pois não podem pagar pela educação privada. Elas(em regra) vão de transporte público, moram em lugares piores com menos exemplos de sucesso através da educação, não fazem as viagenzinhas das escolas privadas(os passeios). São normalmente em bairros mais pobres, e quando são em bairros mais ricos, é preciso pegar 2 ou 3 onibus para chegar. Estas são realidades mesmo nas federais. A minha por exemplo era de qualidade, mas também era num bairro pobre e meio violento, com boca de fumo relativamente perto. Daí a gente tinha sim pessoas que conseguiam ter uma boa educação, mas mt gente tbm que mesmo numa escola melhor tinha muita dificuldade. Lembro quando nós todos doamos 2 reais para o grêmio estudantil, para eles comprarem kits escolares para alguns alunos que não tinham dinheiro para tal. Lembro de muitas alunas que engravidaram. Em face disto, devemos então lembrar do princípio aristotélico que postulei anteriormente.
O vestibular é um meio meritocrático, mas é falho(como qualquer tentativa sempre será). As cotas existem pois entendemos que há mais mérito, por exemplo, em um rapaz de bairro pobre, que ninguem na familia entrou pra universidade tirar 700 que alguém com uma estrutura familiar mais estabilizada, capaz de pagar uma educação privada, tirar 720. É uma política afirmativa que reconhece que há fatores além da própria qualidade de ensino dos professores que tornam o aluno alcançar X nota algo mais merecedor.

Tudo isto dito, acho que todos concordamos que alunos do colégio militar quase todos não se encaixam em nada disso. Também dá pra dizer que pra quase tudo dito acima as cotas sociais cobrem isto, mas há também de se lembrar que na época deste Recurso do vídeo, estas ainda não existiam. Não disse que iria provar que as cotas para escola pública são corretas, apenas tentar esclarecer porque elas foram aceitadas em primeiro lugar. Talvez escolas militares devessem ser excluidas, talvez devesse haver exigência de ensino médio E fundamental em escola pública ao invés de apenas ensino médio.
Devo dizer que eu entendi pessoalmente o que significa vivenciar uma cultura familiar que reverencia a importancia da educação quando trabalhei por 7 meses como ajudante de eletricista em uma obra. Eu dizia que estava lá e estudava para passar para engenharia, e muito me espantava quando muitos dos colegas me perguntavam: Porque? Por que só não se casa com sua namorada se já estão 5 anos juntos? E percebi que a maioria deles se bastava com um salário de 2000. Eles não entendiam, não enxergavam para si algo maior, e tentar explicar me fazia sair como um grande nerd, obviamente hahaha. É sem dúvida um tópico complexo. Um grande abraço.
GBRezende
GBRezende
Jedi
Jedi

Mensagens : 227
Data de inscrição : 18/10/2017
Idade : 26
Localização : Rio de Janeiro, RJ, Brasil

mao_sun gosta desta mensagem

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por silvacebr Seg 31 Ago 2020, 20:07

Interessante discussão.

Sou pobre, pardo, cotista e sei o quanto as cotas felizmente mudaram a cara da universidade pública brasileira, principalmente nos cursos mais concorridos - porque, sejamos sinceros, a cota e o ingresso na universidade são bem mais válidos quando o pobre entra em um curso com boas projeções no mercado de trabalho e tem a oportunidade de ascender social e financeiramente. Uma coisa é só ter um diploma e engrossar estatística, outra é realmente ter a vida mudada para melhor com uma oportunidade de graduação. E por ter essa visão não romântica das coisas eu sei que as cotas sempre terão falhas, como essa citada aqui no debate, uma solução radical seria exigir que o potencial cotista tivesse feito os Ensinos Fundamental I e II somente em escola pública, e também eliminar a ação afirmativa "só escola pública", pois a nova estratégia da classe média e classe alta e matricular os filhos na pública só no ensino médio (públicas de ponta ou pública, simultâneo com um cursinho), pois as notas de corte são menores.

As cotas não são perfeitas, falo isso por experiência própria. Tive a bonificação de conseguir entrar em uma universidade por ser baixa renda e escola pública. Mas esses "fantasmas" da educação estatal de baixa qualidade não desaparecem na hora da matrícula. Assim como falaram das situações no IF, é incrível como o pessoal de escola pública (eu incluso) tem muita dificuldade em se igualar com os estudantes que vieram de colégios públicos top de linha ou particulares. Por isso eu acho que as cotas não são uma solução, pois ela não dissipa a maior geração de desigualdade do país: o ensino público de baixa qualidade que é regra aqui. E no Brasil é cultura enxugar o chão molhado em vez de tapar de uma vez a goteira. Fico feliz pois com a cota consigo uma concorrência mais justa para entrar na faculdade, vou poder mudar minha condição social, se tiver filhos, eles terão melhores oportunidades e espero que não precisem mais de ações afirmativas, mas não é todo mundo que ao entrar, vai conseguir lidar com as disparidades, pode vir entrar e desistir, em grande parte por causa dos problemas seríssimos lá do Ensino Fundamental precário. É duro, mas é a realidade.

silvacebr
Iniciante

Mensagens : 44
Data de inscrição : 13/08/2020

mao_sun gosta desta mensagem

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por _Arthur_ Ter 01 Set 2020, 06:09

mao_sun escreveu: . Por esse motivo eu não falei dos colégios militares, o máximo que conheço deles é quando eu vou nas premiações da OBMEP, onde meu colégio e os militares destroem as vagas de escola pública (a própria OBMEP até tentou criar uma barreira pra evitar isso a uns anos atrás), portanto eu não me sinto tão confortável em emitir uma opinião sobre os militares.
Seu colégio faz alguma preparação específica para OBMEP? Vocês chegam a resolver provas anteriores e questões do Banco de Questões da OBMEP?
_Arthur_
_Arthur_
Mestre Jedi
Mestre Jedi

Mensagens : 974
Data de inscrição : 11/05/2014
Idade : 27
Localização : Guacui - ES

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por GBRezende Ter 01 Set 2020, 18:28

silvacebr escreveu:As cotas não são perfeitas, falo isso por experiência própria. Tive a bonificação de conseguir entrar em uma universidade por ser baixa renda e escola pública. Mas esses "fantasmas" da educação estatal de baixa qualidade não desaparecem na hora da matrícula. Assim como falaram das situações no IF, é incrível como o pessoal de escola pública (eu incluso) tem muita dificuldade em se igualar com os estudantes que vieram de colégios públicos top de linha ou particulares. Por isso eu acho que as cotas não são uma solução, pois ela não dissipa a maior geração de desigualdade do país: o ensino público de baixa qualidade que é regra aqui.
Muito bem dito. Há 2 tópicos bem diferentes quando discutimos sobre cotas, a moralidade em si de uma política de afirmação pública que reserva vagas para grupos específicos de alunos, e a eficiência dessa política em resolver de fato o problema que ela se propõe a resolver. Mas no mundo dicotômico que a gente vive(principalmente nas redes sociais), essas discussões se diluem: você não pode concordar com a necessidade da ação afirmativa e criticar sua eficiencia, a mera ideia é um absurdo.

Mas é exatamente o que vc disse, cotas no ensino superior fazem bem pouco, mas engordam mts números. O ensino de base é o mais importante DE LONGE! Eu passei pra minha escola por sorteio ainda no C.A(aliás, tai um ótimo exemplo de uma política mto boa, que mudou minha vida), e minha noiva passou por concurso no Médio. 
Ela tirava notas as vezes tão boas quanto as minhas, é sem dúvida muito inteligente, hoje é Sargento da FAB. Mas até hoje, ela escreve "bastante" errado, erros gramaticais mesmo. O motivo... na época que eu tava numa escola, ela morou na rua. Filha única de mãe solteira, negras e pobres. E não importa o quanto ela estudou depois, tem certas coisas que ela tem muita dificuldade por não ter tido uma educação de base e hoje em dia simplesmente n tem mais tempo de correr atrás. Devagar com a tabuada, por exemplo.

Uma coisa positiva que vejo nas cotas, é pq a discussão de um ensino público de baixa qualidade vai muito além de simplesmente injetar dinheiro em Educação ou professores mais "bem qualificados". Tem fatores culturais e sociais, envolve mobilidade e muitas outras coisas, e dar uma melhor qualificação profissional pra estes grupos ajuda também nesses fatores(já que muitos estão envolvidos pela realidade da pobreza), indiretamente atingindo a Educação.
GBRezende
GBRezende
Jedi
Jedi

Mensagens : 227
Data de inscrição : 18/10/2017
Idade : 26
Localização : Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por mao_sun Ter 01 Set 2020, 21:49

_Arthur_ escreveu:
mao_sun escreveu: . Por esse motivo eu não falei dos colégios militares, o máximo que conheço deles é quando eu vou nas premiações da OBMEP, onde meu colégio e os militares destroem as vagas de escola pública (a própria OBMEP até tentou criar uma barreira pra evitar isso a uns anos atrás), portanto eu não me sinto tão confortável em emitir uma opinião sobre os militares.
Seu colégio faz alguma preparação específica para OBMEP? Vocês chegam a resolver provas anteriores e questões do Banco de Questões da OBMEP?

Desde que eu entrei no colégio, eles faziam uma preparação específica para a OBMEP. Eu conheço uns amigos meus que já participaram do "curso" (mesmo estando bem longe de ser isso) no primeiro ano, porém pararam por causa da rotina puxada do colégio. Quando fomos premiados, criamos interesse pela olimpiada novamente e, no ano passado, voltamos para o preparatório. Iriamos começar de novo no terceiro ano agora, mas o COVID-19 atrasou os nossos planejamentos.

Sobre como eles faziam as aulas lá, era bem simples mesmo. É um grupo beeem fechado, porque a maioria do pessoal do colégio está focada em outras coisas, ao ponto de eu conhecer o rosto de todo mundo na sala, além disso esse projeto é bem mais oriundo da parte dos professores de matemática do que da instituição mesmo, porém isso proporciona que quem esteja ali seja realmente dedicado a estudar para OBMEP. Pelo que eu pude observar, o que a gente mais fazia era focar nas maiores dificuldades do grupo (aqueles assuntos que mais caem na prova como geometria e probabilidade), então estudávamos por materias como os livros da biblioteca, que tem vários de combinatória muito recomendados, exercícios e questões de provas anteriores relacionadas ou não com o assunto da aula. No dia da premiação, nosso colégio ficou como o último a receber por conta da quantidade de premiados por escola, mesmo sem participar do projeto, vários outros alunos recebiam premiações em posições boas. Normalmente não recebemos dezenas de medalhas, porque, com a nova separação da OBMEP entre colégio público normal e seletivo, estamos competindo com outros Institutos Federais e os colégios militares, além do colégio estar quase nem aí paras as olimpiadas, focando mais nos vestibulares. Eu só participei no meu primeiro ano, porque a premiação da OBMEP do ano passado (quando eu estava no segundo) ainda não aconteceu, mas foi bem isso mesmo.
mao_sun
mao_sun
Padawan
Padawan

Mensagens : 59
Data de inscrição : 29/09/2019
Idade : 21
Localização : Salvador, Bahia, Brasil

_Arthur_ gosta desta mensagem

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por perseverar Qua 02 Set 2020, 00:22

GBRezende escreveu:Olá! Espero poder contribuir à discussão de forma honesta e com os intuitos mais nobres, e já de início aviso: tenho ctz que escreverei mto haha. Mas me dê uma chance! Eu tenho 2 motivos que já me fizeram refletir bastante sobre esse assunto. Primeiro, fui de uma escola federal(Colégio Pedro II, de grande tradição aqui no RJ) que é famosa por lotar a UFRJ, Uni onde estudei por 1 ano. É quase um meme, e há sempre várias discussões nos grupos do facebook da faculdade sobre a moralidade destes alunos usarem das cotas para alunos de escola pública. Eu tive a chance de entrar pela ampla e entrei, e sei que me sentiria mal se entrasse por cota, pois apesar de ser de escola pública desde a infancia, minha mãe era professora e desde sempre me internalizou a importância da leitura e dos estudos. [...]

O seu fio é bom. Aprendi arduamente que existe um Brasil no papel e outro na prática. Há muito romantismo, até nas veredas do ativismo judicial, que, infelizmente, não se confirmam na prática, embora eu gostaria que se confirmassem. Hoje o ensino superior público representa cerca de 20% das instituições de ensino no país, as demais, 80%, são privadas. Por ainda ser sinônimo de boa qualidade e por ser totalmente gratuito, a disputa por esses 20% é acirradíssima - quem não consegue ingressar, acaba desistindo ou é absorvido no ensino privado, normalmente se endividando ou fazendo enormes sacríficos para pagar. 18% dos alunos matriculados na educação básica está no sistema privado, 82% no ensino público, destes, uma pequena parcela, menos de 10%, têm o privilégio de estudar gratuitamente em uma escola federal ou militar. Vale lembrar, que para os 18%, são destinados 50% das vagas e, para os 82%, os outros 50% no ensino superior público. Ou seja, é um FUNIL. Por mais que as cotas sejam pensadas no contexto social, na hora da prova, na hora de pontuar, são os neurônios que trabalham, fatalmente, os alunos que tiveram melhores suplementos ao longo da vida escolar, terão desempenho melhor, é o caso dos federais e militares. Então, apenas com isso, surgem diferenças gritantes dentro do próprio sistema da política afirmativa. Se você entrar em uma lista de aprovados de um curso de medicina da UFMG, ao olhar com uma lupa os cotistas, vai perceber que a grande maioria é oriundo da classe média, tiveram o mínimo de estrutura para concorrer, tirar uma nota decente e conseguir ingressar. As vezes eu até brinco dizendo que nesses cursos concorridos, a cada aluno realmente em vulnerabilidade social, que não teve os suplementos necessários para competir, entram 10 alunos de classe média ou elite, mesmo existindo cotas que leva em consideração o critério renda. No Brasil, as diferenças sociais são tão gritantes que certos alunos ingressos da classe média ao dividir a sala de aula com um filho da elite se acha ''pobre'' e até passa a tentar se nivelar socialmente com esses. Mas o verdadeiro vulnerável socialmente, sem estrutura nem uma para estudar, é uma raridade nesses cursos. E sabe o que acho mais irônico no Brasil, é o fato do estado ser capaz de bancar educação gratuita para alguém oriundo da elite, mas é incapaz de dar o suplemento necessário para os meninos e meninas das classes realmente baixas. Como pode o estado bancar a educação de quem tem condição de pagar 15 a 30 mil reais numa festa de formatura ? é uma enorme desfaçatez. Finalizando, sou totalmente a favor do sistema de cotas, mas ele precisa de ajustes, de acompanhamento contínuo, realismo, caso contrário, vamos viver eternamente idealizando, como ocorre nos EUA, mais de 50 anos de experiência com cotas raciais e o índice de negros em situação de pobreza é o mesmo desde 1964, beneficiou pessoas negras que estavam acima do limite mínimo estrutural para competir pelas vagas, mostrando que a política afirmativa, quando destituída de uma aplicação pragmática, não muda a realidade social do país, apenas beneficia quem tem um mínimo de estrutura para competir e da um cala boca político para sociedade, enquanto isso, os problemas continuam persistindo. No Brasil isso pode ser ainda mais caótico, pois as cotas são dividas em várias modalidades, fazendo um enorme gargalo de poucas vagas. Poderia falar muito mais, como dos diplomas vazios e o aumento do desemprego entre os altamente graduados, mas me despeço aqui da discussão, agradeço pela sua enorme contribuição.

perseverar
Iniciante

Mensagens : 10
Data de inscrição : 24/05/2020

GBRezende gosta desta mensagem

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por GBRezende Qui 03 Set 2020, 10:46

Falaste muito, muito bem amigo perseverar. Queria ter as respostas de políticas que realmente atingiriam os mais necessitados, mas não as tenho, e entrar em política foge muito do escopo do fórum. O exemplo dos EUA é realmente muito certeiro, anos de ações afirmativas e mesmo assim poucas mudanças, o que faz alguns republicanos afirmarem que "não adianta" ou que é algo "cultural da comunidade negra", mas discordo muito dessas conclusões. Acho que nós(presumo), jovens, não podemos aceitar as condições mais miseráveis do status quo, e por isso discussões como essa que tivemos são importantes. Eu não acho que sou sagaz o suficiente para ter as respostas, mas primeiro é preciso falar e educar sobre o problema, para que então alguém surja com boas soluções, e é este o papel que me vejo fazendo.
GBRezende
GBRezende
Jedi
Jedi

Mensagens : 227
Data de inscrição : 18/10/2017
Idade : 26
Localização : Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Ir para o topo Ir para baixo

Escola federal/militar vs estadual/municipal Empty Re: Escola federal/militar vs estadual/municipal

Mensagem por Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos