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BASTARDOS INGLORES - mais uma crítica

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BASTARDOS INGLORES - mais uma crítica Empty BASTARDOS INGLORES - mais uma crítica

Mensagem por Euclides Ter 28 Dez 2010, 14:53

Mais uma excelente crítica que recebi daquele meu amigo que a partir de agora se apresentará aqui no fórum como The Movie Buff:

"Acho engraçado que, em matéria de Cinema, e apesar de todas as nossas diferenças, parece que nós nos afinamos muito. Para mim, também, o Cinema é principalmente uma arte visual. O que me interessa em primeiro lugar em um filme, e me faz considerá-lo um grande filme, é acima de tudo o trabalho visual. Não só a estética (se a fotografia é "bonita" ou não), mas principalmente a inteligência do trabalho de câmera: composição expressiva de imagem, enquadramentos, uso expressivo de luz e sombra, além do estilo visual geral (que inclui também a direção de arte e, por vezes, até os figurinos). Além disso, acho fundamental, e procuro prestar atenção, no trabalho de edição: muita gente não percebe, mas muitíssimo da expressão de um filme resulta disso.

Enfim, são essas coisas que representam o "específico cinematográfico" (as outras qualidades do filme, tais como a história, os diálogos ou a interpretação dos atores, são importantes, mas não são específicos do Cinema). É por isso, por exemplo, que eu sou admirador muito ardoroso do film noir, que eu considero um dos apogeus da criação cinematográfica de todos os tempos. Film noir é, sobretudo, puro estilo visual. São filmes maravilhosos, que a gente fica "bebendo com os olhos". Até os films noir mais "chochos" freqüentemente são expressivos, parecem até dizer mais do que, analisando bem, realmente dizem. E os grandes films noir são obras-primas, esses, sim, dizem tudo! Pela mesma razão admiro tanto o tão rico Cinema alemão dos anos 20 (dito "expressionista"), cujo estilo visual, por sinal, influenciou muito o film noir.

Voltando ao Tarentino: de fato, acho que ele é um dos maiores (se não o maior) criadores de estilo do Cinema atual . É também um dos cineastas mais pessoais (marca dos grandes diretores), sem ser "personalista" (como você mesmo sempre observa). Acho que foi você também quem comentou comigo que bastaria ver uns dez minutos de qualquer filme do Tarantino para saber que o filme é dele, mesmo sem ter sido informado antes nem lido os créditos.

Um aspecto interessante dos filmes do Tarantino (principalmente esse dos "Bastardos Inglores") é o uso excessivo e até gratuito da mais extrema e sangrenta violência bem gráfica, explícita. Eu digo que é interessante porque, como regra, eu (e sei que você também) costumo rejeitar e desprezar esse tipo de coisa com veemência, achando uma "apelação" vulgar e sem imaginação. Mas para o Tarantino isso faz parte do estilo, da estética dele. Ele sabe como inserir até harmoniosamente no filme. Choca, mas não chega a diminuir o filme aos meus olhos, talvez porque não seja esse o foco do filme, é só mais uma peça que compõe o conjunto, e não é mera "apelação".

Fazendo isso, o Tarantino garante o seu sucesso, pois satisfaz a sede do público grosseiro (90% hoje em dia) por sangue e emoções baratas, mas conserva a admiração do público com mais discernimento estético (os outros 10%). Pensando bem, esse mesmo papel chegou a ser desempenhado, há uns vinte ou trinta anos, pelo Brian De Palma, e antes dele pelo Sam Peckinpah. Os filmes deles parecem, no entanto, brandos hoje em dia (principalmente os do Peckinpah, que chocou todo mundo e recebeu o epíteto de "esteta da violência" naquela época, mas hoje seria considerado "café-com-leite").

Achei também que, nos "Bastardos Inglores", o Tarantino deu o passo definitivo no sentido de largar mão da realidade e admitir que os seus filmes são uma para-realidade de puro Cinema. Em todos os filmes que a gente já viu até hoje, a História sempre é respeitada, nunca é mudada. Nesse filme, eles matam o Hitler e todo o Estado-maior nazista e põem fim antecipadamente à guerra — e tudo a sério, sem ser comédia nem fantasia, como se fosse real. Que bom se tivesse sido assim de verdade, né? Quanta gente deixaria de ter morrido, quanta destruição deixaria de acontecer...

Gostei muito do elenco. De fato, o Brad Pitt está ótimo: exagera um pouco e chega a ser caricatural às vezes, mas numa composição perfeita do personagem. E também gostei do sotaque regional, que você havia comentado (é por coisas assim que eu me recuso a ver filme dublado: a perda é enorme!). Mas me chamou a atenção, principalmente, o Christoph Waltz. Achei um espetáculo o vilão "pegajoso" e refinado que ele criou nesse filme. A moçinha francesa (Mélanie Laurent) é bonitinha, me faz lembrar um pouco o jeito da Michelle Pfeiffer quando mais jovem.

Também achei interessante as muitas alusões à história do Cinema dentro do filme. O Tarantino é da geração recente de cineastas, a partir de nomes como Scorsese e Spielberg, que têm boa cultura cinematográfica. Os muitos posters de filmes da época que aparecem em várias cenas são interessantes e bem escolhidos. Também o filme que está em exibição no cinema da Mélanie Laurent ("O Inferno Branco de Pitz Palü") é o mais famoso da Leni Riefenstahl como atriz — e apesar de a Mélanie Laurent dizer que "respeita os diretores", ela só menciona o Pabst (que dirigiu as cenas dramáticas com atores), e não o Arnold Fanck (o mais famoso diretor de filmes "de montanha", que nesse filme dirigiu as cenas de ação na paisagem da montanha)! Muitas outras alusões a filmes e pessoas do Cinema são feitas (por exemplo no jogo de adivinhação que eles jogam na cantina, um dos nomes escritos na testa deles é o da atriz Brigitte Helm). E na cena da estréia do filme, um dos convidados é referido como Emil Jannings, interpretado por um figurante que é meio sósia dele!




A propósito do filme, faço ainda um comentário incidental ou paralelo. Quando comecei a assistir, pensei inicialmente que seria mais um daqueles filmes com vilões nazistas caricaturais, parecendo vilão de história em quadrinhos, e até cheguei a pensar: "Caramba, será que depois de 75 anos os alemães continuam sendo os eternos vilões feios, sujos e malvados em Hollywood? Será que eles não conseguem achar outros vilões para os filmes?" Mas na realidade o filme trata esse tópico de uma maneira diferente e muito peculiar.

Provavelmente é por causa da crise de valores que existe hoje em dia, mas nesse filme todo mundo é "bastadro inglório", não há verdadeiros heróis nem pessoas "de bem", com ética, com valores morais. Os "heróis" (Brad Pitt e sua turma) são revoltantemente anti-éticos, sádicos e cruéis. São quase monstros! Nem os "Doze Condenados", que eram criminosos mesmo, pareciam tão maus (e, naquele filme, pelo menos o Lee Marvin era um militar "normal", não era criminoso). Até a mocinha francesa, que é a única heroína mais ou menos autêntica do filme, é movida por motivos baixos de vingança e ódio. É uma personagem amarga, revoltada. Na velha Hollywood, ela seria uma abnegada heroína da resistência, lutando por patriotismo e amor pela democracia.

Na verdade, não sei se você parou para pensar, mas os personagens mais decentes do filme são, paradoxalmente, justamente os alemães! Veja logo uma das primeiras cenas: o Brad Pitt captura um alemão e tenta obrigá-lo a revelar as posições das tropas alemãs. O soldado, alegando que essa informação custaria a vida de muitos de seus companheiros, recusa-se, educada e respeitosamente, a responder (no que, obviamente, ele tinha razão: de acordo com a Convenção de Genebra, referendada pelo Congresso americano, um prisioneiro de guerra só é obrigado a declarar o seu nome, posto e número de série). O que se segue é brutal: escalpelamentos, cabeças esmagadas por taco de baseball, prisioneiros indefesos assassinados sem piedade, etc. O soldado alemão permanece inflexível e fleumático até o fim, num sacrifício heróico de lealdade pelos seus companheiros. Se essa cena fosse vista por um extraterrestre, que não conhecesse a História da Terra, nem o contexto da 2ª Guerra Mundial, ele acharia que os aliados são os bandidos, e começaria a torcer pelos alemães...

Outra cena assim é a da cantina, onde o sargento alemão comemorava o recente nascimento do seu filho. No desfecho da cena, a gente vê que ele só queria permanecer vivo para ver o filho crescer, mais nada. Faz um acordo com o Brad Pitt e tudo indica que ele compriria a palavra. A moça o mata gratuitamente (e eu suspeito que o Brad Pitt teria feito o mesmo, se ela não o fizesse). Toda a cena foi dramaticamente construída para a gente simpatizar com o sargento alemão, e se solidarizar com ele. A gente torce por ele, e fica triste quando ele morre (nunca antes eu vi um filme hollywoodiano que fizesse a platéia ter dó de alemão morrendo).

Mais estranho ainda é o personagem do Daniel Brühl, o soldado Frederick Zoller. Ele é um herói de guerra alemão, louvado pelo Hitler e pelo Goebbels, mas não é caracterizado como um assassino nazista. É apenas um rapazinho com jeito meio tímido e ingênuo, que foi convocado pelo exército e cumpriu o que para ele era apenas seu dever patriótico. Um verdadeiro herói. Pode ter matado 300, mas foi limpamente, em batalha; não matou prisioneiro com taco de baseball. E é singular que ele seja, em todos os sentidos, apresentado como um sujeito inteiramente digno e decente, até o fim, em tudo o que ele faz. E ele tem uma atitude muito correta e respeitosa na sua tentativa de cortejar a mocinha francesa. Mesmo sabendo que é impossível, a gente até desejaria que ela cedesse e gostasse dele. Escolheram um ator simpático, que transmite toda a sua simpatia para o personagem. Mai uma vez, a gente torce por ele, e fica chocado quando a mocinha o mata. Mais uma vez, a mesma coisa antes inédita no cinema americano: o filme faz a platéia sentir a morte de um alemão, torcer para que ele escape com vida.

Também é inusitado que o filme reconheça ter havido alemães que não eram nazistas, e que resistiram ao nazismo, como o sargento Hugo Stiglitz (Til Schweiger) e a atriz alemã (Diane Kruger); dificilmente se via isso em filme hollywoodiano. Por falar na atriz alemã, ela, sim, é apresentada como uma heróina mais digna do que a moça francesa: seus motivos são de idealismo, não de vingança. Tudo isso é muito inesperado num filme americano.

O único alemão verdadeiramente vilanesco é o coronel alemão. Mas até ele não é caracterizado como nazista truculento, como sádico da Gestapo. Não é o vilão nazista tradicional. É sofisticado, inteligente, quase parece ter aversão pelo lado mais brutal dos extermínios nazistas; prefere o lado intelectual, deixando, se possível, a prática física da matança para outros. Só no final, quando ele estrangula a moça, ele se revela violento e brutal. Essa cena chega a ser chocante, porque a gente não esperava isso do personagem. A gente imaginaria que ele chamaria um guarda para prendê-la, ou, no máximo, a mataria com um tiro de pistola. Um ataque selvagem como aquele surpreende a gente, e é muito interessante essa composição do personagem.

Também chamou-me a atenção a terminologia em geral "politicamente correta" do filme. Raramente a gente ouve o Brad Pitt e sua turma chamarem os alemães de "Germans" e menos ainda de "krauts" (esse termo pejorativo é quase o único usado nos filmes antigos de guerra). Referem-se aos inimigos como "Nazis". Desde o começo, o Brad Pitt diz sempre, "We are here to kill Nazis" e não "to kill Germans". (Apesar de que, como de praxe no "politicamente correto", a preocupação é só de vocabulário: eles matam indistintamente qualquer alemão, sem querer saber se é ou não nazista.)

Por todas essas coisas, achei um filme surpreendente."

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BASTARDOS INGLORES - mais uma crítica Empty Re: BASTARDOS INGLORES - mais uma crítica

Mensagem por BadLeprechaun Qua 05 Jan 2011, 02:37

Durante a guerra ninguém sabia que os campos de concentração existiam, digo, o povo alemão não sabia.
E existiram umas vinte tentativas de derrubar o Hitler vindas do próprio exército dele
E mesmo assim hoje em dia virou moda demonizar os alemães, duvido que alguém faça um dia um filme sobre os crimes de guerra dos aliados


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