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AVATAR - uma crítica muito bem feita

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Mensagem por Euclides Ter 28 Dez 2010, 13:39

Tenho um bom amigo muito entendido em cinema (ele se apresenta neste fórum como The Movie Buff). Um dia destes perguntei-lhe o que achou do filme Avatar e recebi uma crítica muito bem elaborada (ele é muito bom) que coloco aqui:

"Avatar foi outro filme que eu já comecei a assistir convicto de que não iria gostar. Mas acabou não sendo bem assim. Se fosse possível desenhar um gráfico da opinião que eu fui formando sobre o filme à medida que fui assistindo, ele teria a forma de uma parábola com a concavidade para baixo.

Achei que o filme começa com uma premissa interessante, apesar de previsível: o jovem militar é enviado basicamente como espião ou agente infiltrado, mas, ao cumprir sua missão de tentar entender aquele povo e os seus costumes, acaba se afeiçoando demais a eles e não consegue, ao final, traí-los. Isso é apresentado de uma maneira dramaticamente e até antropologicamente bem imaginada, na minha opinião. O inevitável romance com a moça nativa também era outro clichê ultra-previsível, mas que não incomoda: já é um staple de histórias assim, e sempre funciona, sempre envolve o espectador.

O fato de os nativos alienígenas não serem humanos (apesar de suficientemente humanóides para a gente conseguir se identificar com eles) foi, a meu ver, uma idéia feliz, porque realçou os aspectos essenciais, "eidéticos", da história. A rigor, exatamente a mesma história poderia ser contada como um western: o herói seria um soldado da cavalaria e os alienígenas seriam uma tribo Sioux, Shawnee ou Arapaho; no fundo, o filme é isso mesmo, e se tivesse sido filmado há 40 anos seria um western revisionista. Acho mesmo que esse filme tem um quê de "Um Homem Chamado Cavalo", talvez misturado com "Dança Com Lobos". A única diferença é epidérmica, são os efeitos especiais.

Mas justamente porque o caráter estranho, alienígena, dos personagens contribui para intensificar o sentido dramático da história, eu achei que, pela primeira vez — ao menos em tempos recentes — os efeitos especiais (espetaculares) tiveram uma função, uma razão de ser, não foram mera ostentação de tecnologia façanhuda, como costumam ser. Da mesma forma como, guardadas as proporções, a maquilagem (também espetacular, para a época) do primeiro filme do "Planeta dos Macacos" (de 1968) não foi mero gimmick só para deslumbrar o espectador.

O filme começa muito bem. O estranhamento experimentado pelo protagonista, bem como o deslumbramento que ele vai sentindo por aqueles seres tão esquisitos e sua cultura tão diferente, é perfeitamente compartilhado pelo espectador, e toda a primeira parte do filme é muito bem conduzida. Trabalhando com personagens semi-virtuais e uma enxurrada de CGI, o James Cameron conseguiu não perder o foco dramático nem a sensibilidade narrativa.

Achei também que essa primeira parte do filme tem uma beleza plástica muito grande. Contrariando outra vez a tendência atual, os efeitos especiais e a exuberância visual foram trabalhados com bastante senso estético, e voltados para a criação de uma "atmosfera" adequada ao conteúdo dramático da história.

Colateralmente a esse núcleo dramático, a idéia do "avatar" e da transposição da mente e da consciência do herói para um corpo criado por engenharia genética serviu, essa sim, à primeira vista (mas vide o parágrafo seguinte) como mero gimmick para dar um toque "original" a uma história, no fundo, batida e nada nova. Serviu, certamente, para agradar ao público jovem, empolgado não só com jogos de computador como com a possibilidade de uma realidade virtual (viver aventuras na pele de um "avatar" é quase isso). Também ensejou o emprego dessa tecnologia CGI de morphing para transformar os atores naquelas criaturas azuladas.Tudo isso são, como se diz em inglês, "crowd pleasers". Não tenho nada contra, e acho que, tal como os efeitos especiais, foram inseridos com bom gosto e de modo a servir às finalidades dramáticas do filme.

Apresentar o protagonista como um handicapped pode ter sido uma concessão aos ditames do political correctness, mas acrescentou, também, um elemento interessante à história. Dá uma nova dimensão à fuga da realidade vivida pelo herói. Pode até ser óbvio demais e também não ser original, mas o defeito físico representa ou simboliza a "diferença" ou a "inferioridade" do personagem, a incapacidade de ser igual às outras pessoas e feliz como elas. Ah, isso é uma coisa com a qual a gente se identifica facilmente! Quem é que não se sente, ou pelo menos não se sentiu algum dia assim? Por meio do avatar, o pária encontra o amor, a aceitação em uma comunidade, a felicidade. E, de forma vicária, o espectador vivencia tudo isso também. (Você já parou para pensar que os personagens de filmes servem exatamente como "avatares" para nós? Grande sacada! Esse filme é quase metalinguístico!) Esse sentimento foi muito forte e profundo na apreciação do filme, ao menos para mim. E deu uma outra motivação ao personagem, um outro plano na construção psicológica da história.

Até aí, como você vê, eu estava "curtindo" bem o filme, gostando de quase tudo, malgrado minha predisposição inicial. Mas a coisa começou a desandar da metade para o fim do filme. Do ponto de vista de roteiro, a história se encaminhou para uma resolução simplista e vazia — além de batida e sem originalidade, e, agora, sim, a falta de originalidade foi viciosa e nociva ao filme. O herói "vira a casaca" e lidera os alienígenas contra os humanos. Tudo termina numa grande — e interminável — batalha.

É nesse ponto que o filme vira videogame. A estética visual antes desenvolvida vira mera pirotecnia. Os efeitos especiais não servem a outra função senão "causar impacto". E a história, até então desenvolvida com sensibilidade, desemboca num simples mata-mata. E culmina, é óbvio, num grande embate pessoal entre o herói e o comandante dos humanos. "Porrada" para tudo o quanto é lado. E explosão que não acaba mais. Ação, ação, ação. Igualzinho a incontáveis outros filmes contemporâneos.

OK, eu entendo que é só isso que o público de hoje quer. O filme tinha que vender o que eles querem comprar. Mas poderia ter sido dosado melhor, sem prejudicar o filme como um todo. A grande batalha poderia ser apenas um showpiece climático, no final. Era assim, guardadas as proporções, no cinema clássico. Mas eu achei que nesse filme ela foi prolatada demais, não tem fim! A gente enjoa de tanto tiro, explosão e matança. Se o cálculo não erra, eu avalio que toda a seqüência de combates toma a maior parte da última hora de filme.

Com isso o filme dura perto de três horas. A última terça-parte, quase só de ação e pirotecnia. Achei que foi mal equilibrado. E, por paradoxal que pareça, apesar do ritmo frenético, a prolongada pancadaria final prejudicou o ritmo do filme, parece-me que ficou arrastado. No final, me pareceu um filme longo demais, chega a ser cansativo. Se eu fosse o diretor, reeditaria o filme, diminuindo a parte final, melhorando o andamento, e o deixaria uma meia hora mais curto.

Também me desagradou a conclusão da história. O "espírito" do herói "encarna" definitivamente o corpo do avatar, só porque todo mundo começou a rezar para uma entidade chamada Ey'wa, ou coisa que o valha. Ora, sendo ficção-científica, a gente até pode aceitar, com o devido "suspension of disbelief", que os cientistas tenham criado uma tecnologia capaz de transferir a consciência de alguém para um avatar geneticamente criado para esse fim (quem sabe transmitindo os impulsos neuro-elétricos do corpo do avatar para o cérebro da pessoa, e vice-versa, em substituição aos impulsos que viriam do próprio corpo dela). Mas, depois disso, terminar o filme com sessão espírita já é "forçar a barra"! Desde Star Wars com a tal da "força", o gênero ficção-científica vem sendo penetrado pelo misticismo, a ponto de começar gradualmente a confundir-se com outro gênero, "sword and sorcery" (gênero esse ao qual pertencem de pleno direito, por exemplo, "Conan o Bárbaro" e "O Senhor dos Anéis", entre outros). Parece que eles não sabem se querem fazer ficção-científica ou fantasia. Ambas as coisas podem ser boas, se bem feitas, mas eles precisam se decidir por um delas!

Eu disse que não me incomodou o political correctness de o protagonista ser aleijado. Mas outros desvarios politicamente corretos que abundam, sobretudo, na parte final do filme, pareceram-me bastante irritantes, porque bobos e forçados. Senão, vejamos: hoje em dia, é praticamente proibido fazer um filme que não tenha pelo menos um negro, um hispânico, um oriental e um gay; no entanto, salvo engano, todos os personagens humanos do filme (apresentados como vilões belicistas e bestiais) são 100% e rigorosamente homens brancos, heterossexuais e tipicamente anglo-saxônicos. Estranho, não? Só coincidência?

As únicas exceções são duas mulheres: a Sigourney Weaver e uma outra que, por sinal, tem cara de latina. Mas essas estão do lado dos "bonzinhos". Para seguir a cartilha do politicamente correto e não deixar de incluir minorias étnicas no elenco, puseram-nas (ainda que irreconhecíveis sob aquele morphing todo) nos papéis das criaturas alienígenas, pobres vítimas exploradas e atacadas pelos brancos. Um exemplo é a atriz principal, Zoe Saldana (que fez a Ten. Uhura no último filme de Star Trek, e também a funcionária do aeroporto no filme Terminal do Steven Spielberg, com o Tom Hanks).

Não é raro usar-se o universo da ficção-científica como alegoria para comentar a realidade política do tempo presente. Isso acontecia muito, por exemplo, em Star Trek: muitos episódios fazem alusão clara à guerra fria, ou ao Vietnam. Nada de mal nisso, quando é feito com sutileza e inteligência, de modo a convidar o espectador a meditar. O enredo de Avatar, com esse contexto de western sobre uma civilização mais avançada querendo explorar e oprimir um povo mais primitivo, prestava-se muito obviamente a exploração em sentido político, e era natural que acontecesse. Mas em vez de fazê-lo sutil e inteligentemente, à Roddenberry, fizeram do modo mais vulgarmente panfletário possível. Chegaram, por exemplo, a rechear as falas dos vilões com frases inequivocamente ligadas à administração do presidente Bush (como quando o comandante dos vilões, um truculento coronel americano, diz selvagemente: "This is a war on terror. A preemptive strike is our only choice"). O filme poderia passar sem essas...

No final das contas, o filme acabou me decepcionando, por tudo isso que eu já comentei. Outra coisa que me desagradou foi a música. Não que tenha sido propriamente ruim ou barulhenta, molesta aos ouvidos, como a de certos filmes de hoje. Não chega a ser. Mas é totalmente previsível e sem imaginação. Como acontece com a música de tantos filmes recentes, parece que a gente consegue prever, pelo tipo de cena, como vai ser a música, qual a instrumentação. Varia muito de filme para filme, mas parece sempre a mesmice de sempre. E, ademais, é uma música meio sem personalidade. Não marca, nem fica na cabeça da gente. Longe vão os dias em que, por exemplo, um Bernard Herrmann compunha para o Cinema partituras brilhantes, arrojadas, com caráter forte e distinto, que se mesclavam tão bem ao filme que nem se conseguia mais imaginar um sem o outro.

Avatar foi o primeiro filme que o James Cameron dirigiu em mais de dez anos. Depois do sucesso estrondoso do Titanic em 1998, ele entrou no que eu chamo de "síndrome de Selznick". Refiro-me ao produtor David Selznick, que em 1939 fez "E o Vento Levou". Depois disso, o resto da carreira dele foi um inevitável anticlímax: ele continuou a produzir sem parar até a década de 60, e fez bons filmes, mas nunca repetiu o sucesso. Ainda por cima, tudo o que ele fazia era sempre comparado por todos, desfavoravelmente, ao filme de 1939. Era uma enorme frustração para ele. Dizem que morreu triste por isso.

Imagino que o Cameron tinha medo de voltar a fazer filmes por essa mesma razão. Ele sabia que a expectativa de todos seria muito grande. Tal como ocorreu com o Selznick, essa expectativa geral dificilmente poderia ser satisfeita por um filme convencional. Por isso ele decidiu só voltar à ativa com uma mega-produção não convencional, toda inovadora, com todo aquele morphing dos atores e lançamento em 3-D nos cinemas. E deu certo."

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Mensagem por marcomartim Qui 30 Dez 2010, 17:18

Tenho um critério simples e infalível para avaliar um filme.
O desejo de assisti-lo novamente.
Definitivamente, Avatar eu não quero assistir mais.
Alguém pagaria pra ver novamente? Certamente! Há gosto pra tudo.

Roteiro fraco, bem previsível, muito batido e explorado e até incoerente em alguns momentos, atores fracos ou decadentes com uma exceção.
Nos efeitos visuais ele não surpreende, chegou com atraso, qualquer vídeo game de ultima geração apresenta cenas melhores.

Seu maior mérito é o investimento de somas astronômicas na promoção do filme, e com isso obteve um retorno mercadológico muito acima do que mereceria. Nada mais que um fax-simile computadorizado à bruxa de Blair (aquela que ninguém viu).

Já escrevi muito sobre, nem merecia tanto.

Abraços...

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Mensagem por Euclides Qui 30 Dez 2010, 17:44

Gostar, ou não de um filme é coisa até mesmo inevitável. Sempre nos posicionamos subjetivamente diante das coisas. Já, uma crítica é algo mais abrangente como esse excelente trabalho do The Movie Buff.

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Mensagem por marcomartim Qui 30 Dez 2010, 17:57

Euclides escreveu:Gostar, ou não de um filme é coisa até mesmo inevitável. Sempre nos posicionamos subjetivamente diante das coisas. Já, uma crítica é algo mais abrangente como esse excelente trabalho do The Movie Buff.

Caro Euclides;

Me referi exclusivamente ao filme.
Sobre a crítica posta nesse tópico, prometo que vou ler em outra oportunidade.
No momento estou com preguiça para digerir textos mais longos que essa janela de edição ou com ponderações mais profundas do que 2+2.

Abraços e muito sucesso em 2011.
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Mensagem por BadLeprechaun Qui 30 Dez 2010, 20:23

é praticamente proibido fazer um filme que não tenha pelo menos um negro, um hispânico, um oriental e um gay; no entanto, salvo engano, todos os personagens humanos do filme (apresentados como vilões belicistas e bestiais) são 100% e rigorosamente homens brancos, heterossexuais e tipicamente anglo-saxônicos. Estranho, não? Só coincidência?
Nisso ele acertou em cheio, já venho notando essas coisas há muito tempo, e não só em filmes como na televisão e em outras mídias também, se você for um homem branco hetero você é um homer simpson retardado, irresponsável, ou é um demônio terrível do mal responsável por tudo de ruim que acontece em todas as galáxias.
Isso se repente tanto mas tanto que é difícil achar que é coincidência.
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